O que ele teve, tem e terá
O samba é uma das representações artísticas mais famosas e simbólicas do Brasil, o gênero é reconhecido e prestigiado em vários cantos do mundo e tem suas raízes nas misturas brasileiras, mas principalmente nos imigrantes escravos que difundiram não só esse gênero musical tão popular hoje, como também várias outras coisas da nossa cultura.
Waldir Dicá, pesquisador cultural e estudioso da cultura popular brasileira e afrodescendentes, recebeu o título vitalício de "Embaixador do Samba Paulistano". Junto de sua esposa Maria Helena fundaram a Velha Guarda da Sociedade Rosas de Ouro. E ambos foram nomeados "Cidadãos Samba Paulistano " no ano de 2004.
Dicá fala de sua relação com o samba e deixa claro que é impossível tentar separar o samba de suas raízes.
"O samba na verdade tem uma origem negra, africana, mas com a convivência multi-racial brasileira hoje é possível dizer que muitas pessoas do Brasil faz samba ou curte samba como qualquer outra etnia, não tem esse negócio que só o negro faz, mas ainda temos a preocupação de manter acesa essa chama do samba. Isso está muito dentro da própria umbanda, do candomblé das religiões de matriz africana, a base que sustenta tem muito haver com a ancestralidade e religiosidade negra."
Já Yuri Dinalli mais conhecido como Dentinho Poesia é escritor e compositor do samba do "Terreiro de Compositores", também com ligação direta as religiões de origem africana cita como o samba sofre preconceito vindo pelo mesmo que ocorre contra essas religiões.
"Uma coisa está diretamente ligada a outra não tem como separar o samba da religiosidade da africanidade, uma vez que um nasceu do outro o samba nasce dentro dos terreiros, das tias baianas nasce desse ambiente. Tem gente que procura separar de forma muito erronia e até uma grande besteira a gente tratar disso como sendo algo que deva ser falado por que é muito simples, lógico que ao longo do tempo acontece influencia da globalização e as pessoas tentam separar uma coisa da outra, fazer samba gospel e muita gente dentro do samba com nome consolidado que não crê nessa ligação com a africanidade, mas não tem como separar são histórias que correm ligadas uma com a outra."
Mais identificado com Rio de Janeiro, o samba aos poucos foi ganhando todo o país, em São Paulo de acordo com o famoso sambista Geraldo Filme, a origem do samba teria acontecido em 1908 em rodas de samba de negros na cidade de Pirapora do Bom Jesus. Ao longo desses mais de 100 anos depois, tivemos a criação das escolas de samba que desfilam todo ano no carnaval, várias rodas de samba famosas pelo estado e óbvio: Sambistas, sejam eles antigos ou novos.
O pernambucano de 68 anos, Antônio Freire, mais conhecido como "Toinho Melodia", é um dos grandes nomes da velha guarda do samba de São Paulo. Toinho veio de Pernambuco com 11 anos de idade junto de seus pais em busca de uma vida melhor. Ao longo de sua juventude foi vendo em brincadeiras de apelidos com colegas de escola rimas que poderiam tanto salvar ele de apelidos mais "maliciosos", como gerar músicas. Porém hoje a inspiração para suas composições são outras.
"Minha inspiração é no cotidiano, observo muito isso, o que rola na quebrada, as mazelas da sociedade."
Cita também seu gosto musical desde pequeno.
"Tem muita gente. Do meu Nordeste tem Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga, sempre canto coisa deles. E aqui em São Paulo quatro homens que me abraçaram, não sei se pelo talento ou se era pela gana, o amor que eu dedicava ao samba, era: Toniquinho Batuqueiro, Jangada, Talismã e Zéca da Casa Verde, foram pessoas que me orientaram não só no som como na vida, sou muito grato a eles."
Toinho também mostra personalidade forte e diz ser bem rígido com relação ao samba tradicional.
"Hoje está difícil, não escuto música que toca no rádio ou na tv, eu sempre digo que existe dois tipos de música, a boa e a ruim, e o pessoal está confundindo o ritmo né...Bate uma coisa fala que é samba e na verdade não é. Eu sou muito rígido, sempre falo para a molecada não confundir samba com outra coisa."
Toinho Melodia é um dos fundadores do coletivo "Terreiro de Compositores", que uni os sambistas da velha guarda com novos compositores, como é o caso dos jovens Thiago Nunes, 29 anos, e Lua Cristina, 24 anos que fazem parte do terreiro e da nova geração do samba.
Thiago cita a falta de oportunidades para sambistas.
"Como eu não sou só um espectador da música, eu sou um produtor de música eu não vejo no direito de falar da qualidade do que toca na midia. Agora com relação a oportunidades que a gente tem para mostrar o trabalho aí já é mais complicado. O samba tradicional por exemplo, ele não tem público e não tem espaço não tem casas de show, na rádio etc."
Já Lua cita um ponto diferente, e pede mudanças não só no samba como na sociedade.
"Por ser mulher a gente sofre preconceito, infelizmente é natural. Teve uma roda de samba que eu ainda era nova em São Paulo e quando eu cheguei para cantar um individuo que estava no cavaco já deu uma entortada na cara, eu estranhei, pensei nem conheço esse rapaz, mas enfim fui, aí naturalmente virei para pedir a nota e o sujeito simplesmente largou o cavaco e cruzou os braços, aí olhei para o rapaz do violão e pedi a nota, falei "pelo amor de Deus alguém me dá a nota (risos). Depois disso conforme eu fui cantando ele voltou a tocar o cavaco, como se estivesse aprovando, não sei. Minha vontade era de ter para a música e dito que ele não ia tocar...Mas é isso a gente sofre, os rapazes por muito menos são bem recebidos e para falar a verdade alguns nem tão bons assim com aquela rima chula de amor com dor e são abraçados e tal, nós mulheres chegamos com força com qualidade com tudo que precisa se ter por que para aperecermos temos que ser muito melhor que eles, ser quase um alienigena para eles dizerem, essa aí sim é boa..."
Seu companheiro e também sambista e compositor do Terreiro de Compositores, Mauricio de Melo Prince, de 27 anos, também cita como o samba entra nas lutas da sociedade, mas faz ressalvas.
"Acho que fazendo música é pouco, por mais que possa embalar várias causas, pode dar voz a muita gente, mas não é suficiente. Antes do poeta, do compositor começar a escrever, ele vestiu uma roupa ele está em algum lugar feito por outro trabalhador que é tão importante quanto ele. Então assim, nós escrevemos, denunciamos, emocionamos, mas não pode ser só isso já que ele é um trabalhador como outro a luta dele tem que ir além das palavras, enfrentando as coisas, não acho que a música sozinha revoluciona nada."
Mas ressalta também a importância do samba como cultura popular e como aprendizagem também.
"O samba me ensinou mais que muito livro, aprendi nome de comida, nome planta, nome de bicho, data histórica, preceito religioso...Então quando eu ouço a palavra samba eu penso em um livro popular"
Outro importante nome da velha guarda do samba de São Paulo é José Marilton da Cruz, de 60 anos, mais conhecido como "Chapinha", cearense e destaque do Samba da Vela que acontece todas as segundas feiras na Casa de Cultura de Santo Amaro.
Chapinha comenta sua relação com a nova geração do samba.
"Eu me relaciono muito bem, eu procuro ter uma relação boa, tem aqueles que são tradicionalistas demais e aí qualquer coisa diferente critica. Até por que eu leciono para jovens, e a cabeça deles é diferente, mas que tem muita gente que põe cavaquinho percussão diz que é samba, mas não é, e está ganhando dinheiro.
Mas tem a rapaziada da nova geração Exaltasamba, por exemplo são meus amigos, Sensação, Revelação esses eu escuto, não tanto como Cartola, Geraldo Filme que aí eu tenho minha aula né, mas com eles eu também aprendo."
E diz também o que o samba significa para ele.
"O samba para mim é algo que faz uma nação feliz de fato, quando eu ouço a palavra samba eu já imagino as pessoas na roda de samba felizes. E eu enquanto Deus me der vida vou estar lutando pelo samba, foi essa bandeira que assumi pra defender, confesso que eu não escolhi, não desenhei isso, fui fazendo e foi acontecendo e estou a 40 anos nisso aprendendo e ensinando, sempre, então vou estar nisso até Deus deixar e acho que vai deixar bastante, bom o Temer disse que vamos viver uns 140 anos né..."
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