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Vitória Nogueira

Uma década com HIV

Em entrevista ao Caderno Livre, Rafael Bolacha, 35, ator, produtor, gestor do projeto Uma Vida Positiva a apresentador do Chá dos 5. Falou sobre com tem sido sua vivência há 10 anos com HIV, desde a descoberta, passando pelo estudo que mudou sua vida e de milhares de outras pessoas infectadas, desconstruindo mitos até chegar a fase de estar indetectável.


Com quantos anos descobriu o vírus? Qual a sensação inicial?

Descobri em 2009, tinha acabado de completar 25 anos. Foi uma sensação muito confusa. Porque era um momento ainda em que quase não se falava sobre HIV e Aids, então todas as referências que tinha ainda eram muito antigas, Cazuza, Renato Russo, estavam ligadas a muito sofrimento. Então claro que a primeira sensação tinha muito a ver com medo, dor, sofrimento. Ainda tinha o fato que naquele período, quando você fazia o exame e dava positivo, você tinha que repetir o exame e isso levava alguns dias. Passei uns 10 dias para ter o resultado final.


Sua rotina foi afetada de alguma forma após o diagnóstico?

No primeiro dia, eu fui para a praia, morava no RJ. Fique pensando sobre a vida, chorei bastante, depois tentei focar no passo seguinte. Era formado como ator e bailarino, mas ao mesmo tempo tinha consciência que não tinha tipo para ser bailarino de companhia. Então a primeira mudança foi a decisão de retornar para a faculdade, encontrar uma profissão que me desse um pouco mais de segurança, que eu pudesse pagar por um plano de saúde. Passei a me preocupar mais com minha qualidade de vida a longo prazo.


Dentro de sua família e amigos, houve mais julgamento ou apoio?

Uma coisa que eu decidi era que não ia passar o resto da vida escondendo quem eu era. Eu já tinha passado por isso na adolescência com minha sexualidade, e não ia passar por isso de novo. Foi aí que fui entendendo a falta de informação geral sobre o assunto, claro que para cada pessoa que eu contava tinha o choque inicial, mas logo em seguida tinha uma preocupação comigo, com minha saúde. Então, tive apoio total.



Rafael Bolacha

"O HIV me trouxe um grande filtro. Se a pessoa tem algum problema em relação a isso então não fique perto de mim e tá ótimo."






E no geral, tem julgamento?

Claro que tem. Mas isso é muito de cada um, eu dentro dos meus privilégios na sociedade (homem, branco, de classe média, da zona sudeste) sabendo de todos os privilégios de educação e trabalho que acontece por aqui, eu acho que eu simplesmente tive a possibilidade de poder evitar ambientes onde eu sofreria esses julgamentos.


Como é lidar com isso dentro de um relacionamento?

Vida amorosa e sexual foi um processo. É claro que hoje a informação de estar indetectável faz uma diferença absurda! Na época do diagnóstico essa informação não existia. Passei pelo processo de culpa, de como contar. O medo de transmitir o vírus para alguém. Foi muito complicado, um processo muito doloroso, e por muitas vezes solitário. Eu sempre tive isso de não esconder, então fu tentando várias formas de contar, no começo de uma relação, por mensagem, e descobri que não existe uma fórmula certa para contar. O que existe é a relação e o momento em que você está confortável para compartilhar essa informação.


Como foi e é atualmente o tratamento medicamentoso? Tem efeitos colaterais?

Em 2009, passei por algumas questões pelo fato de não se iniciar o tratamento assim que se descobria o vírus, tinha que esperar a imunidade do seu corpo cair muito, esse era o protocolo no mundo, ai sim entrava com a medicação, então passei esse primeiro ano todo sem.


Foi em uma consulta com minha médica que ela me falou sobre um estudo americano que estava sendo realizado, o projeto START, que visava exatamente saber os efeitos de se iniciar a medicação o quanto antes. Então, eu com 26 anos de idade, fiz parte do grupo que receberia a medicação. Eu nunca fui alérgico a nada e descobri naquele momento que era alérgico a alguns retrovirais, mudaram a primeira medicação e novamente tive alergia a outro componente, na terceira combinação eu não apresentei alergia e foi o medicamento que tomei por 5 anos, mas esse me causava diversos efeitos colaterais, como por exemplo desregular meu intestino o que me causou diversos constrangimentos e alteração no nível de triglicérides. Passei por mais duas mudanças no medicamento, e atualmente é bastante tranquilo.



Mitos e verdades

Qual o maior mito do HIV?

A gente trabalha na sociedade com muitas mentiras e mitos sobre o HIV, justamente por não ser falado tranquilamente sobre. Mas em muitos lugares o que eu mais vejo é o mito sobre se tratar de uma questão exclusivamente gay. E isso é muito fácil de explicar, você tem um sexo oral e vaginal onde você está menos exposto ao HIV e o sexo anal onde o risco é maior, e esse á uma prática muito comum entre os gays masculinos. Mas não se trata de uma questão gay, porque sexo anal não é exclusivamente gay.






O que diria para alguém que acabou de receber o resultado positivo?

O que eu digo toda semana, porque as pessoas me encontram e sempre pedem esse conselho. Respira, porque um resultado desses deixa nossa cabeça bagunçada, confusa, com vários questionamentos. Respira, porque você descobriu uma informação e essa informação não pode te definir. Viver com HIV é uma informação sobre quem sou assim como todas as outras.

A segunda é procurar informação, saiba sobre o assunto, assim você fica bem e tem base para deixar quem tá em volta de você bem. E bem, procurar uma boa ajuda médica, temos um trabalho incrível no SUS com infectologia. Criar uma relação médico-paciente, onde se tenha diálogo aberto é ótimo.


Certamente ficou sabendo sobre a distribuição do auto teste de HIV pelo SUS e seu posterior recolhimento pela ANVISA. Qual sua opinião sobre isso?

É delicado. Para mim educação sexual é algo muito importante e pouco discutido. Acho que hoje em dia a gente ter a possibilidade de um auto teste é muito delicado, porque você vai descobrir sozinho. Eu vi meu resultado sozinho de frente para o computador, e naquele período foi muito complicado.


Qual sua opinião sobre a Profilaxia Pós Exposição (PEP)? Acha que esse recurso pode acabar tornando as pessoas mais inconsequentes?

Não acredito nessa inconsequência por conta da PEP ou até mesmo da PrEP. O que eu acredito é nessa hipocrisia de um país em que se tem uma cultura sexual muito forte. A gente tem carnaval. A gente sempre teve essas questões sexuais muito ao nosso redor, porém há uma hipocrisia de que a gente não pode falar sobre isso. Então não falar sobre isso, não ter uma discussão nas esferas sociais e educacionais é que é a problemática.




PrEP e PEP




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